domingo, 8 de novembro de 2009

Prezado idioma,

Venho por meio desta informá-lo que não mais lhe prestarei obediência. De fato, ao longo dos anos, eu negligenciei, deveras, o seu bom uso, mas nunca de forma tão descarada quanto agora.
Não tenho mais saco para ênclises, mesóclises, paráfrases, metáforas. A onda do momento é 'giriar'. Vô falá comu iscrevu pra mi comunicá melhó cum a minha galera.
Tu sempre foste um bicho ruim de lidar, eu aprendi às duras penas, e não consigo mais disfarçar que transformei-me em um semi analfabeto. Emburreci. Como todos os 'fanqueiros' e pagodeiros que te jogam ao chão, e fazem Camões revirar-se no esquife, com letras absolutamente desnecessárias, porém popularíssimas. Que contagiam multidões pelo minimalismo sacana e sem pudor; como um câncer em metástase incontrolável. Não quero ser um estandarte de tuas virtudes. Quero poder misturar tuas pessoas sem me preocupar com o erro. Não desejo ser pária. Excluído de "conversas" por falar corretamente, e ser rotulado de empolado. Não corrigirei os deslizes alheios, não vou mais correr risco de morte ao tentar explicar a diferença entre onde e aonde.
Você é ingrato com quem te trata bem. Fui um assíduo frequentador de teus livros gramaticais e dicionários. Mas defenestraste-me de minha vida social. Perdi amigos, ganhei rancores, adquiri vícios, assenti excessões às suas regras para conviver. Tudo em vão. A culpa de meu desterro é tua, ó tão malévolo idioma meu. Deitado eternamente em teu berço platinado se faz de vítima com seus corretores ortográficos robotizados e erráticos. Aqueles que corrigem acertos e ignoram falhas. Que tuas tremas ardam no inferno de Dante, junto aos acadêmicos imortais e dos políticos aculturados e oportunistas; teus verbos e conjunções sejam chacinados pelos modismos. Que utilizem nas orações subordinativas adversativas causais frases que não expressem subordinação e muitos menos oposição à idéia anterior.
Que te sufoquem, suprimam e simplifiquem. Que sejais corrompido por estrangeirismos das mais bárbaras línguas. E, por fim, feneça nos anglicanismos do american way of life. Um idioma simples e que não faz distinção de gênero, seu discriminador.

Adeus.